Eu sou Maimuna Oringa, sou cega e mãe de duas crianças. Vivo em Cuntum Madina (Bissau) com um dos meus filhos e com alguns membros adolescentes da minha família.
A minha rotina é simples, levanto-me e faço alguns trabalhos de casa tendo com base na minha limitação. Com a pandemia, tudo se tornou ainda mais difícil. Antes, ia todos os dias à Rádio Sol Mansi apresentar o programa “Fala dos Deficientes”. Mas agora, gravo os programas uma vez por semana e além disso sou obrigada a usar máscara e a minha circulação actualmente é muito mais reduzida e dificultada.
O coronavírus chegou à Guiné-Bissau oficialmente no dia 25 de Março, no dia seguinte fui informada que a minha mãe adoeceu e estava em estado grave. No dia seguinte, 27 de Março saí de Bissau para o ilhéu da Galinha, região de Bubaque, afinal era o último barco porque posteriormente o governo proibiu a circulação das viaturas terrestres e marítimas.
Testemunhei o sofrimento da minha mãe durante todo o tempo que esteve doente. Alguns dias depois, piorou pois não tinha condições adequadas para um tratamento médico no ilhéu devido às condições precárias dos centros de saúde nas regiões do país, sem remédios mesmo para tratamentos mais simples. A minha mãe acabou por falecer no dia 11 de Junho porque não teve um tratamento adequado.
O coronavírus fez-me ficar sem mãe e isso deixa-me muito triste. Se não fossem as medidas impostos para conter a propagação do coronavírus, a minha mãe poderia estar viva, pois haveria a possibilidade de a levar para Bissau onde teria melhores tratamentos e cuidados médicos.
O coronavírus colocou barreiras enormes na minha vida. Além da perda da minha mãe, impediu-me de dar o último adeus ao homem que me fez ser mulher e voz dos deficientes. Impediu-me de viver os últimos momentos com o meu líder Manuel Lopes Rodrigues, o fundador da Associação da Reabilitação e Reintegração dos Cegos (AGRICE) que morreu no dia 25 de Junho. Sou um dos membros fundadores da AGRICE e eu era a única mulher na altura.
Durante todo este período, fui abandona pelo Estado. Nunca foram criados mecanismos de apoio às pessoas com deficiência. Somos totalmente discriminados, até nas sensibilizações sobre prevenção de COVID-19. Por exemplo, nas televisões, não existe nenhum sinal gestual. As sensibilizações são feitas, mas as pessoas deficientes não são chamadas a integrar a comissão, as suas vozes não são ouvidas em nenhuma esfera. Todos somos iguais perante a lei, mas na prática a sociedade é injusta connosco.
Esquecem-se sempre da nossa existência, até nas vias públicas somos discriminadas através das barreiras nas calçadas, assim como no acesso ao transporte público.
Tenho sonhos que visam valorizar as pessoas com deficiência na Guiné-Bissau porque só eu sei o que passo diariamente. Por isso mesmo, no futuro, quero ser a primeira deputada da Nação invisual na Guiné-Bissau para fazer ouvir a voz dos deficientes e para chamar a atenção para os direitos dos deficientes. A minha meta é chegar ao parlamento e falar sobre as nossas dificuldades e a discriminação a que somos sujeitos. Tenho que chegar lá e fazer com que a nossa voz conte.
Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos
Eu até falei da acessibilidade das pessoas com deficiência face a covid, na estação da radio nacional e nas ocorrências médicas, só quero dizer a maimuna que sou admiradora dela, que continua acreditando.
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