terça-feira, 8 de junho de 2021

Tiniguena celebra 30 anos e distingue Fátima Proença, uma das fundadoras da Casa, com Prémio Promoção da Cidadania

Didier Monteiro, Augusta Henriques, Fátima Proença e Miguel de Barros

Didier Monteiro (PCA da Tiniguena), Augusta Henriques (Tiniguena), Fátima Proença (diretora da ACEP) e Miguel de Barros (diretor executivo da Tiniguena)



No passado sábado, 5 de junho, a ONG Tiniguena "Esta Terra É Nossa" assinalou o seu 30.º aniversário. A ONG reservou um dia inteiro de programação que incluiu algumas intervenções por parte dos membros dirigentes e um conjunto de homenagens, um debate e ainda a emissão em direto do webinar "Tiniguena, 30 anos ao serviço da Guiné-Bissau" através do Facebook da organização.


A diretora da ACEP - Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fátima Proença, foi uma das pessoas distinguidas pela organização durante a cerimónia. A Tiniguena é parceira da ACEP há várias décadas e é uma das organizações fundadoras da Casa dos Direitos.


No momento que serviu para homenagear várias pessoas importantes no percurso da Tiniguena, Augusta Henriques, em nome da ONG, presenteou Fátima Proença com um discurso de apresentação que percorreu não só a vida, mas sobretudo o trabalho de cooperação, luta e ativismo que Fátima Proença desenvolveu ao longo de mais de 40 anos, e que agora partilhamos.


A Fátima Proença, de nacionalidade portuguesa, nasceu em Coimbra, em 1953. Aos 18 anos, quando concluiu o Liceu, fez uma viagem a Paris, onde encontrou muita informação e propaganda de grupos de oposição ao regime então vigente em Portugal e também dos movimentos de libertação nas antigas colónias, que denunciavam as atrocidades do regime.

Enquanto estudava Economia no ISEG, esteve ligada aos chamados “católicos progressistas”, que colaboravam na produção e divulgação clandestina do “Boletim Anti-Colonial”. Conviveu com personalidades marcantes da luta antifascista e anticolonial, entre os quais Nuno Teotónio Pereira, que, um dia, lhe pediu para dactilografar no Stencil um documento confidencial para sua distribuição clandestina em Portugal. Era o “Relatório dos Missionários Católicos sobre o Massacre de Wiriyamu”, perpetuado pelas forças coloniais portuguesas em Tete, no Norte de Moçambique, em dezembro de 1972. 

Logo após o 25 de Abril, o grupo do “Boletim Anti-colonial” criou o Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial - CIDAC, que foi instalado num apartamento em Lisboa cedido pela Editora Afrontamento, com uma equipa que era dirigida pelo Luís Moita e integrava a Luísa Teotónio e a Carolina Quina. O CIDAC mudaria de nome mais tarde, para Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral. No início dos anos 80 foi criado no CIDAC o grupo da Guiné-Bissau, com o qual a Fátima colaborou, apoiando na organização de iniciativas de formação de jovens guineenses, quadros no Estado em construção, formação de voluntários destacados para missão no país e nomeadamente na produção do Guia do Cooperante da Guiné-Bissau.  

Em 1983, a pedido do então Ministro da Informação da Guiné-Bissau, Filinto Barros o CIDAC propõe à Fátima uma missão de 2 meses a Bissau, para apoiar na organização do Centro de Documentação Amílcar Cabral, no Ministério do Plano e assegurar a formação na área documental dos responsáveis de documentação dos vários ministérios. 




Em 1985 regressa a Bissau, desta vez com o marido, Carlos Sangreman. Ele, a convite do falecido Bartolomeu Simões Pereira, então SE do Plano, para lhe prestar assessoria na organização das contas nacionais e do sistema estatístico. Ela, a pedido de Carlos Lopes, que dirigia a equipa do recém-criado INEP. Fátima iria trabalhar no Centro de Estudos Socioeconómicos do INEP, em estreita colaboração com a sua diretora, a falecida Diana Lima Handem. Trabalhou no primeiro levantamento da documentação socioeconómica para constituir a base de dados da documentação do INEP. Colaborou no lançamento do BISE (Boletim de Informação Socioeconómica) e da SORONDA. Foi neste período que a Fátima conheceu o Eng. Carlos Silva, vulgo Pepito, de quem viria a ser grande amiga e aliada de muitas lutas. 

Quando regressou a Portugal, foi trabalhar para o CIDAC, a tempo integral, integrando o departamento de Cooperação e direcção do CIDAC em 1987. E é no CIDAC que colabora e apoia vários projetos e iniciativas de vulto, que marcaram uma época na Guiné-Bissau, como o Programa Integrado de Caboxanque, PIC, implementado no Sul pelo DEPA (Departamento de Pesquisa Agrícola), dirigido pelo Pepito e a 1ª Conferência das ONGs, organizada pelo Ministério do Plano e Cooperação Internacional e no âmbito do qual foi criada a Solidami, um gabinete de apoio à coordenação da Ajuda não-Governamental à Guiné-Bissau. 

Quando o Pepito lhe anunciou que ia deixar o DEPA e criar uma ONG para continuar a trabalhar com as comunidades rurais na sua organização e melhoria de suas condições de vida, a Fátima Proença abraçou com entusiasmo o projeto de criação da Ação para o Desenvolvimento. Colaborou com a AD em variadíssimos, projetos, estudos e realizações, com destaque para a criação do GAPA - Gabinete de Apoio às Associação Camponesas, a criação das primeiras rádios comunitárias, como a Voz de Quelelé e a Kassumai.

Quando se deu a Guerra de 7 de junho de 1998, Fátima Proença abriu as portas da ACEP uma ONGD portuguesa que ela dirigia então, para acolher os seus parceiros e amigos guineenses que se refugiaram em Lisboa.  Ajudou-lhes a organizarem-se para socorrer as populações mais vulneráveis, vítimas do conflito e para intervirem no campo internacional em favor da paz na Guiné-Bissau. E assim foi criada a Rede de Solidariedade com o Povo da Guiné-Bissau, que ela coordenou juntamente com os líderes de 3 ONGs parceiras, a AD, a Aifa-Palop e a Tiniguena. A notícia da ocupação pelas forças militares senegalesas e consequente destruição parcial do INEP, atingido por bombas, foi particularmente dolorosa. Contribuir para a reabilitação do INEP passou a ser uma das prioridades da Rede. No final do conflito, a Fátima fez entrega oficial à direção do INEP de uma caixa contendo as disquetes onde estava gravada toda a documentação recolhida e catalogada sobre a guerra e o trabalho realizado pela Rede de Solidariedade

Findas as hostilidades, ela ajudaria a mobilizar parceiros e meios avultados para apoio à AD, AIFA e Tiniguena na reabilitação e relançamento socioeconómico de 3 bairros de Bissau, onde tinham suas sedes: Quelélé, Militar e Belém (2000/2003). É dessa época a criação da Escola de Artes e Ofícios de Quelélé, da qual a Fátima foi embaixadora incansável. 

Dessa época também foi o apoio que a ACEP, sob a sua direção, prestou à criação da plataforma das ONGs que intervêm na Guiné-Bissau (PLACON-GB) que desempenhou um papel importante no trabalho político das ONGs em prol do relançamento da Guiné-Bissau (2000/2008). O reforço de redes colaborativas de ONGs continuaria a merecer a especial atenção da Fátima, que apoiou vários estudos e encontros realizados sobre a temática, entre os quais a organização da 3ª Conferência das ONGs feita em Bissau, em 2017.  

Muitos outros projetos e organizações beneficiariam depois da colaboração com a Fátima e a ACEP, entre as quais a Associação de Fruticultores de Cubucaré (AFC), através do DEPA e da AD, a Associação Zona Verde, via Tiniguena e outras organizações de produtores e moradores enquadrados pelos parceiros AD, Aifa, Tiniguena e Rede Ajuda, que ela ajudou a lançar. Liga Guineense dos Direitos Humanos, AMIC, RENAJ, RENARC, RENLUV, também mereceram uma atenção especial da Fátima. Ela apostou fortemente na criação da Casa dos Direitos, fundada em 2012 e que até hoje junta organizações da sociedade civil guineense empenhadas na promoção dos direitos humanos, incluindo os cívicos, económicos e ambientais.

Fátima Proença tem sido embaixadora comprometida com a Guiné-Bissau e o seu povo durante toda a sua vida. Colaborou com muitas instituições e personalidades de destaque, quer ao nível do governo, quer da sociedade civil guineense. Fátima nunca deixou de responder sim! à Guiné-Bissau, nos momentos mais conturbados… mas também nos momentos de celebração, como este que vivemos agora... Fátima ajudou a conceber, a organizar, a dar pés para andar e asas para voar a iniciativas inovadoras, a projetos impactantes, sempre em parceria com outros guineenses e amigos desta terra, que sonharam, acreditaram e como ela, apostaram na Guiné-Bissau!


Por tudo isso a família da Tiniguena te reconhece e homenageia hoje, pelo seu 30º Aniversário, com o Prémio Promoção da Cidadania na Guiné-Bissau


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