segunda-feira, 1 de junho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: NA LINHA DE FRENTE

Pela manhã, ainda cedo, saía de casa para o hospital. Uma vez no Simão Mendes, ia para a enfermaria (onde está a minha sala) e logo em seguida passava a auscultar os meus pacientes para fazer uma evolução do quadro clínico: ver como está indo o tratamento, se estão melhorando ou não, verificar a necessidade de alterar algum medicamento, observar a possibilidade de alguém receber alta, solicitar determinado exame que considere importante para poder diagnosticar casos suspeitos... portanto, uma vida normal de médico. É o que costumamos fazer. Por vezes, também há o serviço nas urgências.
Saindo do hospital, ia dar aulas e depois voltava para casa – é lá que aproveito para rever conteúdos, estudar, ler porque essa profissão exige constante atualização. Não se pode pensar que se sabe tudo. Quem pensa assim está mais suscetível a cometer erros. A medicina é uma ciência muito bonita, mas que exige responsabilidade. Esta era a minha rotina de segunda à sexta-feira, antes da chegada da covid-19. 

É a primeira pandemia que presencio como médico. O que quero dizer com isto é que não tinha experiência em questões de controlo epidemiológico – tudo o que sabia está nos livros e nas aulas práticas do curso. O novo coronavírus mudou toda a nossa rotina como profissionais de saúde. Tivemos de redobrar, quiçá triplicar os nossos esforços para poder fazer face à esta situação.
Como o Hospital Nacional Simão Mendes é o centro de referência do país, albergando o maior número de utentes, estabeleceram nas suas instalações uma tenda de combate à Covid-19 onde é feita a triagem de todos os casos de dificuldades respiratórias que passam por lá. Desde a chegada da doença, não conseguimos ficar em casa mais do que cinco horas. Eu, por exemplo, fui uma das primeiras pessoas a entrar nesta tenda mesmo sem ter recebido nenhum tipo de preparação e proteção adequada. Fi-lo por amor a minha profissão, pelo juramento que fiz de salvar vidas, mesmo que para isso arrisque a minha.

Graças à Deus temos conseguido fazer o nosso trabalho: recolha de amostras, triagem e isolamento dos casos suspeitos. Mas pode imaginar o que é ficar naquela tenda com aquela roupa? Só quem veste aquele fato pode explicar o quão quente é! E nós, enquanto estamos ali a trabalhar, não o podemos tirar, para não espalhar o vírus. Uma vez no centro de triagem temos de ficar lá (com o fato e sem poder fazer refeições) até completar a nossa carga horária. Esta tem sido a nossa vida todos os dias, desde o começo dessa situação.
Colegas próximos a mim testaram positivo para a Covid... foi um período de angústia, ficava sempre a pensar “será que eu também estou infetado?” Felizmente testei negativo. Em situações como estas acabámos por aprender alguma coisa: cheguei à conclusão de que o país, concretamente o sistema nacional de saúde, não está preparado para enfrentar esta situação. É triste admiti-lo, mas como médico, sinto que a Saúde na Guiné-Bissau está numa fase embrionária.
Um dos sistemas mais desorganizados em nosso país é o da Saúde. Não sei se é por falta de liderança, por ignorância ou por má-fé, a razão pela qual não consigamos dar aquele mínimo de condições para podermos enfrentar realidades como esta que estamos a viver. Daí ser difícil prever o pico da pandemia e até quando vamos viver assim. Entretanto, “uma coisa boa que a doença trouxe” é a consciencialização das pessoas para o facto de que devem ter/manter hábitos de higiene.

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