segunda-feira, 15 de junho de 2020

DEBATE - PANDEMIA E (DES) IGUALDADE DE GÉNERO

No último debate debruçamo-nos sobre a pandemia e as perspectivas de género no contexto guineense . Falamos com Aissatu Camara Injai (RENLUV) e Ussumane Embalo (Instituto da Mulher e Criança), para analisar até que ponto as medidas de emergência agudizam a desigualdade de género e incidem sobre a condição de pobreza e formas de proteção das mulheres. 

Para muitos o confinamento é um abrigo contra o contágio do coronavírus (Covid-19), mas para a maioria das mulheres as medidas de prevenção trazem consigo perigos tão preocupantes quanto o vírus. Se mesmo antes da pandemia a maioria das mulheres guineenses já estavam imersas num conjunto de desigualdades sociais estruturais: a maioria no desemprego ou inserções precárias cujas consequências são os baixos rendimentos, a falta de oportunidades educacionais, acesso limitado e baixa qualidade dos serviços de saúde e infraestrutura habitacional; como estão a a fazer face com essas condições exacerbadas pela pandemia?

Os nossos convidados manifestaram as suas preocupações com as consequências causadas pela pandemia Covid 19 em especial na desigualdade de género. A situação de emergência de saúde, com impactos na economia, na política, na sociedade e no direito tende a tornar essa desigualdade mais latente, impondo às mulheres a situação de vulnerabilidade acentuada. Qual é a possibilidade de se manterem em distanciamento social e de se poderem proteger de facto? Quais são as repercussões do distanciamento social no relacionamento interpessoal e até que ponto deixa as mulheres ainda mais vulneráveis à violência doméstica? Que fragilidades existem nos sistemas de proteção? 

O agravamento da situação de desigualdade de gênero é uma realidade que se projetará no futuro. Há indicativos de que a perda de empregos decorrente da crise afetará especialmente as mulheres, que se concentram no setor de serviços, um dos mais impactados pela crise. Deve-se considerar, ainda, que muitas mulheres atuam na informalidade e que várias delas nem sequer terão acesso às atividades que eram até então desenvolvidas, ainda que precariamente, como fonte de sustento.

O fecho de escolas e de creches também impôs encargos adicionais significativos para as mulheres em casa. Essa circunstância atrai reflexões sobre a cidadania feminina, no que diz respeito à divisão sexual de tarefas domésticas, sendo essas últimas socialmente atribuíveis às mulheres, e que, na prática, representam dificuldades, quando não obstáculos, para a inserção e a presença delas no mercado de trabalho.

Em suma, as mulheres têm sido sobremaneira afetadas pela crise pandêmica, sem que as medidas, executivas, legislativas ou judiciárias, sejam, até aqui, suficientes para concretizar o princípio da igualdade. Acrescenta-se também a questão da sub-representação feminina nos espaços políticos de tomadas de decisão (no Parlamento; no Poder Executivo; no Poder Judiciário; e até nos sindicatos).

Mesmo habitando espaços desiguais, como criar alternativas constituindo redes de apoio e proteção para driblar as inseguranças sociais? Para os nossos convidados, é urgente olhar o cenário da pandemia sob a ótica da desigualdade do gênero de forma a garantir que tanto as ações de combate ao COVID-19, como as bases da retoma pós-crise garantam a equidade de gênero e ofereçam proteção dos direitos adquiridos. Apelam, por isso, que neste momento de pandemia para haja um maior compromisso  em apoiar as mulheres e as organizações que desenvolvem trabalhos nesta área e que a liderança e a contribuição feminina sejam façam parte dos esforços de recuperação contra o novo coronavírus.
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#DialogosComASociedade #CasaDireitosGB

terça-feira, 9 de junho de 2020

DEBATE ONLINE – CRIANÇAS EM CONFINAMENTO: QUE DIREITOS? QUE PROTEÇÕES?


último debate focou nos direitos das crianças da Guiné- Bissau durante a pandemia. As crianças não são a face desta pandemia, mas correm o risco de estar entre as suas maiores vítimas. Para abordar este tópico  falamos com Lizidória Mendes (Activista Social) e Laudolino Medina, Secretario Executivo da Associação Amigos da Criança (AMIC).

As consequências econômicas da pandemia e as medidas impostas para conter a propagação do vírus estão a ter um impacto desastroso sobre muitas crianças e podem resultar num aumento do risco de abuso e violência, advertem os nossos convidados. 

Ao longo da conversa foram destacados diversos impactos da pandemia que põem em causa os Direitos Humanos das crianças, nomeadamente as desigualdades no acesso à educação à distância por razões relacionadas com os recursos e materiais disponíveis, e com o acompanhamento existente em casa; aumento dos casos de insegurança alimentar com a perda de rendimentos das famílias; dificuldades de acesso a serviços básicos e bens essenciais; crianças em maior risco de abuso nas suas casas, bem como de exposição a vários tipos de violência e dificuldades no acompanhamento de crianças e jovens em situação vulnerável ou em risco​ por insuficiência do modelo de acompanhamento à distância e lacunas na sinalização de potenciais novos casos.

Os direitos e a perspetiva da criança têm estado ausentes nas medidas de prevenção adotadas. Todos os recursos estão a ser canalizados para manter o sistema de saúde e a economia em funcionamento, descurando dos direitos das crianças. Corre-se o risco de uma geração de crianças ficar para trás sem a adoção de políticas integradas e coordenadas para responder à vulnerabilidade das crianças durante e pós- pandemia. E urgente adotar medidas para mitigar os efeitos desproporcionais às crianças particularmente as mais vulneráveis.

Perante este cenário, como garantir a proteção dos direitos das crianças? Os nossos convidados apelam a uma maior coordenação entre diferentes atores para que as necessidades das crianças sejam identificadas e abordadas através de um conjunto de medidas integradas e que envolva as próprias crianças no processo. Salientam ainda que dispensar uma atenção especial aos direitos das crianças é “mais necessário do que nunca". 

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quarta-feira, 3 de junho de 2020

PANDEMIA PREJUDICOU PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS, DIZ AMIC

Os direitos das crianças guineenses continuam a ser sistematicamente violados. Apesar dos direitos das crianças estarem consagrados na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em várias convenções internacionais, as crianças estão longe de ter a proteção devida. Os abusos persistem como ilustram as denúncias de crianças guineenses violadas sexualmente pelos próprios pais ou familiares, casos de casamento precoce e forçado e o fenómeno das crianças talibés.

No dia 01 de Junho, o dia internacional das crianças, a AMIC assinalou o dia com uma sessão na sua sede no bairro de enterramento. O trabalho desta ONG concentra-se em dois eixos: identificar crianças em situações de vulnerabilidade no contexto de mobilidade nacional e transnacional, maioritariamente crianças talibés; desencadear as pesquisas necessárias para localizar as suas famílias e a partir dos centros de acolhimentos (Bissau e Gabú) proceder à reintegração destas crianças às suas famílias de origem e quando tal não é possível, à família alargada. Laudolino Medina, Secretário Executivo da AMIC, explica que a justiça penal da Guiné-Bissau tem dificultado a proteção dos direitos das crianças. O fenómeno das crianças talibés continua a ser uma das maiores preocupações da AMIC.

As medidas anunciadas pelas autoridades nacionais para evitar a contaminação e a propagação do Coronavirus exacerbaram a vulnerabilidade das crianças talibés que continuam nas ruas de todo o país, esquecidas e abandonadas. Vivem ao céu aberto, andam descalços, sem máscara, nem qualquer tipo de proteção. Várias crianças guineenses foram resgatadas recentemente no Senegal e a AMIC está a ajudar no processo de retorno e reintegração destas crianças.

Com o surto do Coronavírus agravada pela instabilidade política, vários projetos da AMIC que poderiam beneficiar crianças guineenses foram cancelados. “Fomos surpreendidos pela pandemia da Covid-19 que teve consequências ao nível do nosso projeto e limitou a nossa capacidade de resposta. Neste período o sistema identificou 65 crianças, quando se esperava aproximadamente 20 crianças, sobretudo no contexto transnacional”, explica Laudolino Medina.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: NA LINHA DE FRENTE

Pela manhã, ainda cedo, saía de casa para o hospital. Uma vez no Simão Mendes, ia para a enfermaria (onde está a minha sala) e logo em seguida passava a auscultar os meus pacientes para fazer uma evolução do quadro clínico: ver como está indo o tratamento, se estão melhorando ou não, verificar a necessidade de alterar algum medicamento, observar a possibilidade de alguém receber alta, solicitar determinado exame que considere importante para poder diagnosticar casos suspeitos... portanto, uma vida normal de médico. É o que costumamos fazer. Por vezes, também há o serviço nas urgências.
Saindo do hospital, ia dar aulas e depois voltava para casa – é lá que aproveito para rever conteúdos, estudar, ler porque essa profissão exige constante atualização. Não se pode pensar que se sabe tudo. Quem pensa assim está mais suscetível a cometer erros. A medicina é uma ciência muito bonita, mas que exige responsabilidade. Esta era a minha rotina de segunda à sexta-feira, antes da chegada da covid-19. 

É a primeira pandemia que presencio como médico. O que quero dizer com isto é que não tinha experiência em questões de controlo epidemiológico – tudo o que sabia está nos livros e nas aulas práticas do curso. O novo coronavírus mudou toda a nossa rotina como profissionais de saúde. Tivemos de redobrar, quiçá triplicar os nossos esforços para poder fazer face à esta situação.
Como o Hospital Nacional Simão Mendes é o centro de referência do país, albergando o maior número de utentes, estabeleceram nas suas instalações uma tenda de combate à Covid-19 onde é feita a triagem de todos os casos de dificuldades respiratórias que passam por lá. Desde a chegada da doença, não conseguimos ficar em casa mais do que cinco horas. Eu, por exemplo, fui uma das primeiras pessoas a entrar nesta tenda mesmo sem ter recebido nenhum tipo de preparação e proteção adequada. Fi-lo por amor a minha profissão, pelo juramento que fiz de salvar vidas, mesmo que para isso arrisque a minha.

Graças à Deus temos conseguido fazer o nosso trabalho: recolha de amostras, triagem e isolamento dos casos suspeitos. Mas pode imaginar o que é ficar naquela tenda com aquela roupa? Só quem veste aquele fato pode explicar o quão quente é! E nós, enquanto estamos ali a trabalhar, não o podemos tirar, para não espalhar o vírus. Uma vez no centro de triagem temos de ficar lá (com o fato e sem poder fazer refeições) até completar a nossa carga horária. Esta tem sido a nossa vida todos os dias, desde o começo dessa situação.
Colegas próximos a mim testaram positivo para a Covid... foi um período de angústia, ficava sempre a pensar “será que eu também estou infetado?” Felizmente testei negativo. Em situações como estas acabámos por aprender alguma coisa: cheguei à conclusão de que o país, concretamente o sistema nacional de saúde, não está preparado para enfrentar esta situação. É triste admiti-lo, mas como médico, sinto que a Saúde na Guiné-Bissau está numa fase embrionária.
Um dos sistemas mais desorganizados em nosso país é o da Saúde. Não sei se é por falta de liderança, por ignorância ou por má-fé, a razão pela qual não consigamos dar aquele mínimo de condições para podermos enfrentar realidades como esta que estamos a viver. Daí ser difícil prever o pico da pandemia e até quando vamos viver assim. Entretanto, “uma coisa boa que a doença trouxe” é a consciencialização das pessoas para o facto de que devem ter/manter hábitos de higiene.