terça-feira, 21 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: RETRATO DE UMA EMPREGADA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Chamo-me Mariana Sané, sou empregada doméstica, com a pandemia perdi o meu emprego. Vivo sozinha num quarto alugado e sou mãe de um menino de 4 anos de idade.

Antes do anúncio dos casos da Covid 19, na Guiné-Bissau, trabalhava em Antula. Fazia todos os trabalhos domésticos, incluindo cuidar dos filhos da minha patroa. O meu salário era de 30 mil francos CFA mensais.

Levantava-me muito cedo para chegar às 7 horas ao meu local de trabalho, porque a minha patroa saía de casa às 8 horas. Pagava o meu salário, mas sempre com algum atraso. No início custeava o meu transporte «casa-trabalho-casa», mas com o tempo começou a queixar-se que ganhava pouco e que não poderia continua a assegurar o meu transporte.

Com o surto da pandemia, queria diminuir o meu salário, recusei porque o que ganhava nem dava para assegurar as minhas despesas até ao final do mês. Na sequência, disse-me para ficar em casa e que não poderia pagar o meu salário durante esse tempo. Até hoje está-me a dever um mês de salário sustentando que não completei os 30 dias de trabalho.

Depois de perder o emprego, quase fui despejada, mas o facto de sempre pagar a minha renda regularmente antes da pandemia, ajudou-me a continuar a ter onde morar, mas continuo em risco de deixar de ter um teto para mim e para o meu filho.

Perante essa situação, com várias pessoas para sustentar: a minha mãe idosa, o meu pai doente, os meus irmãos e o meu filho, tive que encontrar uma alternativa para poder sobreviver. Atualmente, levanto-me às 5 da manhã, compro mangas e vendo-as nas ruas, mas mesmo assim o dinheiro não cobre as minhas despesas.

Os nossos direitos têm sido constantemente violados, com o surgimento da pandemia tudo piorou. O governo não se preocupa connosco, parece que não existimos aos olhos das autoridades guineenses, por isso somos sistematicamente violadas e maltratadas pelos nossos patrões.

Mariana Sané

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

quarta-feira, 15 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: RECOMEÇAR PARA NÃO CEDER AO MEDO

Chamo-me Sunira Nadine Mendes Gomes Embaló, sou empreendedora. Trabalhava em casa há muitos anos e no ano passado alarguei o meu negócio e agora tenho um empreendimento chamado “Delicias di Nangai”, um espaço restaurante e pastelaria, no Bairro de Pluba. A iniciativa começou muito bem. O negócio dava lucros e até o mês de Dezembro, a época festiva, o rendimento era generoso porque tínhamos muita procura e muitas encomendas.

O primeiro impacto negativo em termos económicos foi na época das eleições presidenciais de 2019, quando o fluxo dos clientes diminuiu. Tinha esperança que iríamos conseguir sobreviver à situação com um fluxo maior de em Fevereiro, que é a época do Carnaval. Mas a incerteza continuou e foi agravada em Março quando foi implementado o primeiro estado de emergência por causa do surgimento dos primeiros casos da Covid-19 no país e o sector da restauração foi uma da mais afectadas na nossa economia. Com o surgimento da pandemia no país, o negócio foi deitado por água-a-baixo, fui obrigada a fechar a minha instalação que chegou a servir de base para a Guarda Nacional.

Em finais de Julho, decidi reabrir o meu negócio e recomeçar com que o tenho e a cada dia, apesar das dificuldades. 

Para além da pandemia, a situação torna-se ainda mais crítica com a época chuvosa, quando o volume de negócio mesmo em tempos normais é mais reduzido. Com a reabertura é preciso pelo menos uns três meses para reconquistar a confiança dos clientes.

Agora não consigo arrecadar nem metade do rendimento que arrecadava antes da pandemia. Com a situação apertada, decidi pela redução de funcionários. Agora trabalho só com metade dos funcionários e alargamos o horário, abrimos até às 18 horas. A redução de funcionários afetou-me bastante e acarreta vários sacrifícios, porque agora faço de tudo aqui no meu restaurante. Tínhamos uma linha centrada de funcionários formados na área de produção de bolachas bio. Com os funcionários agora em casa, sou obrigada a ficar com o encargo da lacuna deixada. Não é fácil ser um “polvo” e nem sei até quando vou conseguir manter essa situação.

Tive que improvisar e adotar novas estratégia para que o meu empreendimento possa continuar aberto. Para facilitar os trabalhos, criámos certos mecanismos: os trabalhos mais pesados pedimos que se faça a encomenda com 72 horas de antecedência. O pedido antecipado permite-me organizar melhor tendo em conta o número reduzido de funcionários.

A parte mais rentável do negócio é a encomenda na área de confeitaria que, embora esteja a trabalhar a meio gás, o rendimento que tem gerado tem sido uma bolha de oxigénio para colmatar as dificultardes noutras áreas. Não tem sido fácil, mas tenho fé que a situação venha a normalizar.

Apesar das dificuldades e de saber do impacto do coronavírus no sector da restauração, e que muitos correm o risco de fechar, não posso desistir porque este sonho é como um filho que eu criei, portanto, não posso ceder ao medo porque a vida é feita de riscos.

Sunira Nadine Gomes Embaló

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

sexta-feira, 3 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: DE MÃOS VAZIAS

O meu nome é Sábado Indi. Nasci e cresci em Safim. Vim para Bissau depois do meu casamento e desde então resido no bairro de Antula.

Vendo camarões há muito tempo. Na verdade, era a única coisa que vendia até 1997, quando deixámos de utilizar a moeda Peso e as coisas foram aos poucos tornando-se mais difíceis.

Madrugávamos: por volta das quatro da manhã eu e as minhas colegas já estávamos de pé esperando o carro para irmos até Quinhamel comprar camarão-tigre. Depois era voltar para Bissau e andar o dia todo na Praça até vender tudo e ir para casa. No caminho comprava arroz e mafé. Uma vez em casa, cozinhava.

Esta sempre foi a minha rotina. Mas, como disse, quando passámos a utilizar o Franco CFA as coisas foram piorando... É verdade que já não tínhamos que ir até Quinhamel pois já havia local de compra aqui em Bissau, no Porto de Bandim. Mas por outro lado, os camarões-tigre foram-se tornando cada vez mais raros e caros, por isso, passei a comprar outros mariscos e peixes. O tempo que levava para conseguir vendê-los também foi aumentando e negociar tornou-se aos poucos mais complicado.



Já passei por muitos momentos difíceis na minha vida - a guerra de 7 de junho foi um deles - mas confesso que em termos de vendas nenhuma dessas dificuldades pode ser comparada com o que estou a viver nestes últimos meses devido ao Covid-19.

Primeiro disseram-nos para ficarmos confinados em casa, mas sem qualquer tipo de apoio, nem sequer um saco de arroz. Como é a lei, obedecemos. Mas, foram dias extremamente difíceis. Como ficar o dia todo sem trabalhar? Eu não tenho outra forma de sustento, é disso que eu vivo e foi assim que criei os meus filhos.

Depois disseram-nos que poderíamos circular até ao meio dia. Afinal, o que poderia eu conseguir vender se só tinha até às 11h para fazê-lo e depois restavam-me apenas 1h para voltar a pé para casa? Os transportes públicos estavam proibidos de circular e era a pé que ia até ao porto, de lá para a Praça e, por fim, até minha casa. Não sobrava praticamente tempo para as vendas! Sem contar que a maioria das pessoas estava em casa e queixava-se da falta de dinheiro. Foram dias de muito esforço para nada!

Atualmente, com o novo estado de emergência as coisas mudaram um pouco - o que não significa que estão menos difíceis. Todas as minhas colegas se queixam das dificuldades para conseguir vender. Umas acabaram por deixar os mariscos e decidiram tentar a sorte com outros tipos de produtos: estão a cavar pedras e juntar areia para vender.

Eu vou continuar a fazer o que sei. Sinceramente, espero que tudo isso passe logo. Tenho pedido a Deus que esta doença vá embora. Não posso continuar assim, de “mon limpu”.