quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

CADERNO DA CASA N.º 7 COM HISTÓRIAS DE GUINEENSES EM TEMPOS DE PANDEMIA


Foi hoje apresentado mais um Caderno da Casa Quotidanos de Guineenses em Tempos de Pandemia, da autoria de Paula Fortes e que contou com a colaboração de Elisangela Santos e Fatumata Jau.

A apresentação, integrada na Feira do Livro, esteve a cargo do escritor Abdulai Sila, de Cadija Mané (em representação da autora), do adido da Cooperação Portuguesa António Nunes e do coordenador da Casa Gueri Lopes.

Para ler aqui.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

QUINZENA DOS DIREITOS 2020 ARRANCA AMANHÃ
ÀS 10H NA CASA DOS DIREITOS

 

Pelo sétimo ano consecutivo, a Casa dos Direitos, em parceria com dezenas de organizações da sociedade civil, promove a QUINZENA DOS DIREITOS, entre 1 e 15 de Dezembro, com um conjunto de actividades dedicadas ao debate sobre os Direitos Humanos na Guiné-Bissau. A literatura, a apresentação de livros e estudos, a música, os debates e djumbais servirão de pretexto para falar sobre a situação actual dos Direitos Humanos no país.

Esta iniciativa é coordenada pela Casa dos Direitos, em articulação com os diferentes parceiros, e conta com financiamento da Cooperação Portuguesa, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e da União Europeia.

A sessão inaugural terá lugar na próxima terça-feira, dia 1 de Dezembro, na Casa dos Direitos, a partir das 10 horas. Após a sessão de abertura, será inaugurada uma exposição de pintura de três artistas plásticos guineenses, no Centro Cultural Português.

CONHEÇA O PROGRAMA COMPLETO

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

ABERTO CONCURSO PARA A ATRIBUIÇÃO DA 7ª EDIÇÃO DO PRÉMIO "JORNALISMO E DIREITOS HUMANOS"





Pelo sétimo ano consecutivo, os promotores da Casa dos Direitos divulgam este galardão com o objectivo de reforçar o papel dos jornalistas enquanto agentes de mudança de mentalidades na sociedade guineense, estimulando a construção de uma cultura de participação democrática e cívica, com vista à promoção e à defesa dos direitos humanos. 

O concurso inclui um prémio de 300.000 CFA, um computador e um conjunto de livros sobre a temática dos direitos humanos para cada uma das categorias seguintes:
  • a) Imprensa escrita de âmbito nacional;
  • b) Rádio de âmbito nacional ou comunitária;
  • c) Televisão de âmbito nacional ou comunitário.


O período para entrega das candidaturas termina a 2 de Dezembro, nos seguintes endereços:
  • a) Entrega por correio eletrónico: lgdh6@hotmail.com ou observatoriodireitos.gb@gmail.com;
  • b) Entrega em suporte papel: Na Casa dos Direitos, Rua Guerra Mendes, Bissau.

O anúncio dos vencedores do concurso e a respectiva cerimónia de entrega dos prémios, serão realizadas nas celebrações do Dia Internacional dos Direitos Humanos 10 de Dezembro.

Esta iniciativa é promovida pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, a Associação para a Cooperação Entre os Povos e o Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do ISEG, e conta com o apoio financeiro da Cooperação Portuguesa.



sexta-feira, 4 de setembro de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: O HIP HOP AO SERVIÇO DA SENSIBILIZAÇÃO

Sou Danhianin Afonso Té conhecido por Cotche Té, jovem músico guineense do estilo hip hop. A minha rotina era muito interessante e tudo era mais fácil antes da chegada do coronavírus na Guiné, a 25 de Março. Era fácil ir ao estúdio e preparar as minhas músicas. No primeiro trimestre do ano, eu estava a preparar o meu concerto para o dia 25 de Maio e visava interagir e ir ao encontro do público em todo o país. 

Estava concentrado nos meus projetos musicais, dava para reunir com os meus colegas músicos, trocarmos ideias, este contacto entre nós músicos é uma parte muito importante para os artistas, principalmente do estilo hip hop.

Com a chegada do coronavírus tudo mudou drasticamente. Vi que era mais uma questão de focar na alternativa do que no problema em si, tive que readaptar os meus planos, e criar outras oportunidades. 

Passei a interagir mais com os meus fãs através das plataformas online, nomeadamente o Facebook, e dediquei-me mais ao free Style, um sonho acalentado que não conseguia executar devido ao excesso de trabalho. As plataformas sociais permitiram que os meus fãs me conheçam de uma forma diferente, e pude interagir com elas uma vez que não posso ir ao encontro deles, e estar com elas ao vivo. Já estamos na sexta edição. Apesar de a pandemia ter complicado as coisas, acabou por desbloquear algumas situações, porque agora tenho mais tempo de preparar as minhas músicas. 

A mensagem que passo nas minhas músicas tem a ver com alguns temas sociais, no entanto, já fiz mais de 5 lives de sensibilização sobre a prevenção. Através de comentários e interação, sinto que as pessoas aceitam a minha mensagem positiva sobre a prevenção da Covid-19. Sei que a minha mensagem já alcançou várias pessoas e inclusive as que não acreditavam na existência da Covid.

Dedico-me à música a tempo inteiro. Já trabalhei e estagiei em várias áreas, mas agora estou focado na música. Agora tenho mais tempo pra focar em desenvolver o meu projeto com mais calma e dá-me oportunidade de pensar calmamente no meu futuro.

O Estado não investe na cultura e isso leva-me particularmente a buscar alternativas. Nunca beneficiei de um projeto do Estado da Guiné-Bissau. Sempre me foquei no meu projeto pessoal e fiz tudo sozinho com apoio de outras personalidades e até na organização dos meus concertos conto só com os meus contactos nacionais e internacionais. Não obstante, acredito que o Estado deveria investir mais na cultura, porque a cultura é o espelho de um país e é importante investir nos artistas, porque tal como fazem os Estados de outros países e a prova disso é o nível dos músicos daqueles países.

Anseio por voltar a ter um contacto direto com o meu público e transmitir mensagens importantes através das minhas músicas. Para tentar mudar as mentalidades é importante ir ao encontro das pessoas que me ouvem para debatermos os assuntos que trato nas minhas músicas para que possam entender-me melhor.

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

DIALÓGOS COM A SOCIEDADE: VIDA(S) EM SUSPENSO

Chamo-me Emerson Bucan, vivo em Bissau, no bairro de Brá, com a minha mãe e os meus irmãos. Antes da pandemia, lavava carros nos meus tempos livres e com o dinheiro que ganhava dessa atividade pagava os meus estudos e com o que sobrava ajudava a minha família com algumas despesas, principalmente na alimentação. Com o surto da Covid-19, parei de trabalhar e estudar. 

A chegada do coronavírus mudou a minha vida drasticamente. Antes do vírus conseguia sobreviver com muito esforço, mas agora temos dificuldades até de garantir pelo menos uma refeição por dia, porque os produtos estão mais caros no mercado e a minha família é numerosa. Durante esta crise a nossa renda de casa também aumentou, e corremos o risco de ser despejados. 

Antes conseguia algum dinheiro com a lavagem de viaturas, o que facilitava muita coisa e até para guardar um pouco. Agora não lavo mais de três viaturas diariamente. Esta situação impacta principalmente os meus estudos. 

Deveria terminar o ensino secundário este ano letivo, mas infelizmente tudo foi interrompido e estou parado desde os finais do mês de Março. Para além do liceu, frequentava também aulas de Inglês e de informática e estava num nível muito avançado. Foi anunciado que brevemente as aulas irão ser retomadas, mas para mim será muito difícil voltar a estudar, uma vez que pagava tudo com o meu trabalho. Entristece-me que tenha que parar depois de anos de esforço. O meu sonho é ser engenheiro informático, mas a Covid-19 desmoronou tudo o que tinha perspetivado na minha vida. Sinto que o meu futuro foi adiado.

Mas espero que a situação melhore, quero ter a minha vida de volta e terminar os meus estudos para ajudar a minha família e principalmente a minha mãe que com a pandemia passa ainda por mais dificuldades para manter a nossa família. 

 

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: MAIMUNA QUER SER A VOZ DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Eu sou Maimuna Oringa, sou cega e mãe de duas crianças. Vivo em Cuntum Madina (Bissau) com um dos meus filhos e com alguns membros adolescentes da minha família.

A minha rotina é simples, levanto-me e faço alguns trabalhos de casa tendo com base na minha limitação. Com a pandemia, tudo se tornou ainda mais difícil. Antes, ia todos os dias à Rádio Sol Mansi apresentar o programa “Fala dos Deficientes”. Mas agora, gravo os programas uma vez por semana e além disso sou obrigada a usar máscara e a minha circulação actualmente é muito mais reduzida e dificultada.

O coronavírus chegou à Guiné-Bissau oficialmente no dia 25 de Março, no dia seguinte fui informada que a minha mãe adoeceu e estava em estado grave. No dia seguinte, 27 de Março saí de Bissau para o ilhéu da Galinha, região de Bubaque, afinal era o último barco porque posteriormente o governo proibiu a circulação das viaturas terrestres e marítimas. 

Testemunhei o sofrimento da minha mãe durante todo o tempo que esteve doente. Alguns dias depois, piorou pois não tinha condições adequadas para um tratamento médico no ilhéu devido às condições precárias dos centros de saúde nas regiões do país, sem remédios mesmo para tratamentos mais simples. A minha mãe acabou por falecer no dia 11 de Junho porque não teve um tratamento adequado.

O coronavírus fez-me ficar sem mãe e isso deixa-me muito triste. Se não fossem as medidas impostos para conter a propagação do coronavírus, a minha mãe poderia estar viva, pois haveria a possibilidade de a levar para Bissau onde teria melhores tratamentos e cuidados médicos. 

O coronavírus colocou barreiras enormes na minha vida. Além da perda da minha mãe, impediu-me de dar o último adeus ao homem que me fez ser mulher e voz dos deficientes. Impediu-me de viver os últimos momentos com o meu líder Manuel Lopes Rodrigues, o fundador da Associação da Reabilitação e Reintegração dos Cegos (AGRICE) que morreu no dia 25 de Junho. Sou um dos membros fundadores da AGRICE e eu era a única mulher na altura. 

Durante todo este período, fui abandona pelo Estado. Nunca foram criados mecanismos de apoio às pessoas com deficiência. Somos totalmente discriminados, até nas sensibilizações sobre prevenção de COVID-19. Por exemplo, nas televisões, não existe nenhum sinal gestual. As sensibilizações são feitas, mas as pessoas deficientes não são chamadas a integrar a comissão, as suas vozes não são ouvidas em nenhuma esfera. Todos somos iguais perante a lei, mas na prática a sociedade é injusta connosco. 

Esquecem-se sempre da nossa existência, até nas vias públicas somos discriminadas através das barreiras nas calçadas, assim como no acesso ao transporte público.

Tenho sonhos que visam valorizar as pessoas com deficiência na Guiné-Bissau porque só eu sei o que passo diariamente. Por isso mesmo, no futuro, quero ser a primeira deputada da Nação invisual na Guiné-Bissau para fazer ouvir a voz dos deficientes e para chamar a atenção para os direitos dos deficientes. A minha meta é chegar ao parlamento e falar sobre as nossas dificuldades e a discriminação a que somos sujeitos. Tenho que chegar lá e fazer com que a nossa voz conte. 

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

terça-feira, 21 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: RETRATO DE UMA EMPREGADA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Chamo-me Mariana Sané, sou empregada doméstica, com a pandemia perdi o meu emprego. Vivo sozinha num quarto alugado e sou mãe de um menino de 4 anos de idade.

Antes do anúncio dos casos da Covid 19, na Guiné-Bissau, trabalhava em Antula. Fazia todos os trabalhos domésticos, incluindo cuidar dos filhos da minha patroa. O meu salário era de 30 mil francos CFA mensais.

Levantava-me muito cedo para chegar às 7 horas ao meu local de trabalho, porque a minha patroa saía de casa às 8 horas. Pagava o meu salário, mas sempre com algum atraso. No início custeava o meu transporte «casa-trabalho-casa», mas com o tempo começou a queixar-se que ganhava pouco e que não poderia continua a assegurar o meu transporte.

Com o surto da pandemia, queria diminuir o meu salário, recusei porque o que ganhava nem dava para assegurar as minhas despesas até ao final do mês. Na sequência, disse-me para ficar em casa e que não poderia pagar o meu salário durante esse tempo. Até hoje está-me a dever um mês de salário sustentando que não completei os 30 dias de trabalho.

Depois de perder o emprego, quase fui despejada, mas o facto de sempre pagar a minha renda regularmente antes da pandemia, ajudou-me a continuar a ter onde morar, mas continuo em risco de deixar de ter um teto para mim e para o meu filho.

Perante essa situação, com várias pessoas para sustentar: a minha mãe idosa, o meu pai doente, os meus irmãos e o meu filho, tive que encontrar uma alternativa para poder sobreviver. Atualmente, levanto-me às 5 da manhã, compro mangas e vendo-as nas ruas, mas mesmo assim o dinheiro não cobre as minhas despesas.

Os nossos direitos têm sido constantemente violados, com o surgimento da pandemia tudo piorou. O governo não se preocupa connosco, parece que não existimos aos olhos das autoridades guineenses, por isso somos sistematicamente violadas e maltratadas pelos nossos patrões.

Mariana Sané

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

quarta-feira, 15 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: RECOMEÇAR PARA NÃO CEDER AO MEDO

Chamo-me Sunira Nadine Mendes Gomes Embaló, sou empreendedora. Trabalhava em casa há muitos anos e no ano passado alarguei o meu negócio e agora tenho um empreendimento chamado “Delicias di Nangai”, um espaço restaurante e pastelaria, no Bairro de Pluba. A iniciativa começou muito bem. O negócio dava lucros e até o mês de Dezembro, a época festiva, o rendimento era generoso porque tínhamos muita procura e muitas encomendas.

O primeiro impacto negativo em termos económicos foi na época das eleições presidenciais de 2019, quando o fluxo dos clientes diminuiu. Tinha esperança que iríamos conseguir sobreviver à situação com um fluxo maior de em Fevereiro, que é a época do Carnaval. Mas a incerteza continuou e foi agravada em Março quando foi implementado o primeiro estado de emergência por causa do surgimento dos primeiros casos da Covid-19 no país e o sector da restauração foi uma da mais afectadas na nossa economia. Com o surgimento da pandemia no país, o negócio foi deitado por água-a-baixo, fui obrigada a fechar a minha instalação que chegou a servir de base para a Guarda Nacional.

Em finais de Julho, decidi reabrir o meu negócio e recomeçar com que o tenho e a cada dia, apesar das dificuldades. 

Para além da pandemia, a situação torna-se ainda mais crítica com a época chuvosa, quando o volume de negócio mesmo em tempos normais é mais reduzido. Com a reabertura é preciso pelo menos uns três meses para reconquistar a confiança dos clientes.

Agora não consigo arrecadar nem metade do rendimento que arrecadava antes da pandemia. Com a situação apertada, decidi pela redução de funcionários. Agora trabalho só com metade dos funcionários e alargamos o horário, abrimos até às 18 horas. A redução de funcionários afetou-me bastante e acarreta vários sacrifícios, porque agora faço de tudo aqui no meu restaurante. Tínhamos uma linha centrada de funcionários formados na área de produção de bolachas bio. Com os funcionários agora em casa, sou obrigada a ficar com o encargo da lacuna deixada. Não é fácil ser um “polvo” e nem sei até quando vou conseguir manter essa situação.

Tive que improvisar e adotar novas estratégia para que o meu empreendimento possa continuar aberto. Para facilitar os trabalhos, criámos certos mecanismos: os trabalhos mais pesados pedimos que se faça a encomenda com 72 horas de antecedência. O pedido antecipado permite-me organizar melhor tendo em conta o número reduzido de funcionários.

A parte mais rentável do negócio é a encomenda na área de confeitaria que, embora esteja a trabalhar a meio gás, o rendimento que tem gerado tem sido uma bolha de oxigénio para colmatar as dificultardes noutras áreas. Não tem sido fácil, mas tenho fé que a situação venha a normalizar.

Apesar das dificuldades e de saber do impacto do coronavírus no sector da restauração, e que muitos correm o risco de fechar, não posso desistir porque este sonho é como um filho que eu criei, portanto, não posso ceder ao medo porque a vida é feita de riscos.

Sunira Nadine Gomes Embaló

Por: Elisangila Raisa Silva dos Santos

sexta-feira, 3 de julho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: DE MÃOS VAZIAS

O meu nome é Sábado Indi. Nasci e cresci em Safim. Vim para Bissau depois do meu casamento e desde então resido no bairro de Antula.

Vendo camarões há muito tempo. Na verdade, era a única coisa que vendia até 1997, quando deixámos de utilizar a moeda Peso e as coisas foram aos poucos tornando-se mais difíceis.

Madrugávamos: por volta das quatro da manhã eu e as minhas colegas já estávamos de pé esperando o carro para irmos até Quinhamel comprar camarão-tigre. Depois era voltar para Bissau e andar o dia todo na Praça até vender tudo e ir para casa. No caminho comprava arroz e mafé. Uma vez em casa, cozinhava.

Esta sempre foi a minha rotina. Mas, como disse, quando passámos a utilizar o Franco CFA as coisas foram piorando... É verdade que já não tínhamos que ir até Quinhamel pois já havia local de compra aqui em Bissau, no Porto de Bandim. Mas por outro lado, os camarões-tigre foram-se tornando cada vez mais raros e caros, por isso, passei a comprar outros mariscos e peixes. O tempo que levava para conseguir vendê-los também foi aumentando e negociar tornou-se aos poucos mais complicado.



Já passei por muitos momentos difíceis na minha vida - a guerra de 7 de junho foi um deles - mas confesso que em termos de vendas nenhuma dessas dificuldades pode ser comparada com o que estou a viver nestes últimos meses devido ao Covid-19.

Primeiro disseram-nos para ficarmos confinados em casa, mas sem qualquer tipo de apoio, nem sequer um saco de arroz. Como é a lei, obedecemos. Mas, foram dias extremamente difíceis. Como ficar o dia todo sem trabalhar? Eu não tenho outra forma de sustento, é disso que eu vivo e foi assim que criei os meus filhos.

Depois disseram-nos que poderíamos circular até ao meio dia. Afinal, o que poderia eu conseguir vender se só tinha até às 11h para fazê-lo e depois restavam-me apenas 1h para voltar a pé para casa? Os transportes públicos estavam proibidos de circular e era a pé que ia até ao porto, de lá para a Praça e, por fim, até minha casa. Não sobrava praticamente tempo para as vendas! Sem contar que a maioria das pessoas estava em casa e queixava-se da falta de dinheiro. Foram dias de muito esforço para nada!

Atualmente, com o novo estado de emergência as coisas mudaram um pouco - o que não significa que estão menos difíceis. Todas as minhas colegas se queixam das dificuldades para conseguir vender. Umas acabaram por deixar os mariscos e decidiram tentar a sorte com outros tipos de produtos: estão a cavar pedras e juntar areia para vender.

Eu vou continuar a fazer o que sei. Sinceramente, espero que tudo isso passe logo. Tenho pedido a Deus que esta doença vá embora. Não posso continuar assim, de “mon limpu”.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

DEBATE - PANDEMIA E (DES) IGUALDADE DE GÉNERO

No último debate debruçamo-nos sobre a pandemia e as perspectivas de género no contexto guineense . Falamos com Aissatu Camara Injai (RENLUV) e Ussumane Embalo (Instituto da Mulher e Criança), para analisar até que ponto as medidas de emergência agudizam a desigualdade de género e incidem sobre a condição de pobreza e formas de proteção das mulheres. 

Para muitos o confinamento é um abrigo contra o contágio do coronavírus (Covid-19), mas para a maioria das mulheres as medidas de prevenção trazem consigo perigos tão preocupantes quanto o vírus. Se mesmo antes da pandemia a maioria das mulheres guineenses já estavam imersas num conjunto de desigualdades sociais estruturais: a maioria no desemprego ou inserções precárias cujas consequências são os baixos rendimentos, a falta de oportunidades educacionais, acesso limitado e baixa qualidade dos serviços de saúde e infraestrutura habitacional; como estão a a fazer face com essas condições exacerbadas pela pandemia?

Os nossos convidados manifestaram as suas preocupações com as consequências causadas pela pandemia Covid 19 em especial na desigualdade de género. A situação de emergência de saúde, com impactos na economia, na política, na sociedade e no direito tende a tornar essa desigualdade mais latente, impondo às mulheres a situação de vulnerabilidade acentuada. Qual é a possibilidade de se manterem em distanciamento social e de se poderem proteger de facto? Quais são as repercussões do distanciamento social no relacionamento interpessoal e até que ponto deixa as mulheres ainda mais vulneráveis à violência doméstica? Que fragilidades existem nos sistemas de proteção? 

O agravamento da situação de desigualdade de gênero é uma realidade que se projetará no futuro. Há indicativos de que a perda de empregos decorrente da crise afetará especialmente as mulheres, que se concentram no setor de serviços, um dos mais impactados pela crise. Deve-se considerar, ainda, que muitas mulheres atuam na informalidade e que várias delas nem sequer terão acesso às atividades que eram até então desenvolvidas, ainda que precariamente, como fonte de sustento.

O fecho de escolas e de creches também impôs encargos adicionais significativos para as mulheres em casa. Essa circunstância atrai reflexões sobre a cidadania feminina, no que diz respeito à divisão sexual de tarefas domésticas, sendo essas últimas socialmente atribuíveis às mulheres, e que, na prática, representam dificuldades, quando não obstáculos, para a inserção e a presença delas no mercado de trabalho.

Em suma, as mulheres têm sido sobremaneira afetadas pela crise pandêmica, sem que as medidas, executivas, legislativas ou judiciárias, sejam, até aqui, suficientes para concretizar o princípio da igualdade. Acrescenta-se também a questão da sub-representação feminina nos espaços políticos de tomadas de decisão (no Parlamento; no Poder Executivo; no Poder Judiciário; e até nos sindicatos).

Mesmo habitando espaços desiguais, como criar alternativas constituindo redes de apoio e proteção para driblar as inseguranças sociais? Para os nossos convidados, é urgente olhar o cenário da pandemia sob a ótica da desigualdade do gênero de forma a garantir que tanto as ações de combate ao COVID-19, como as bases da retoma pós-crise garantam a equidade de gênero e ofereçam proteção dos direitos adquiridos. Apelam, por isso, que neste momento de pandemia para haja um maior compromisso  em apoiar as mulheres e as organizações que desenvolvem trabalhos nesta área e que a liderança e a contribuição feminina sejam façam parte dos esforços de recuperação contra o novo coronavírus.
Pode assistir ao debate completo no nosso Facebook aqui.
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#DialogosComASociedade #CasaDireitosGB

terça-feira, 9 de junho de 2020

DEBATE ONLINE – CRIANÇAS EM CONFINAMENTO: QUE DIREITOS? QUE PROTEÇÕES?


último debate focou nos direitos das crianças da Guiné- Bissau durante a pandemia. As crianças não são a face desta pandemia, mas correm o risco de estar entre as suas maiores vítimas. Para abordar este tópico  falamos com Lizidória Mendes (Activista Social) e Laudolino Medina, Secretario Executivo da Associação Amigos da Criança (AMIC).

As consequências econômicas da pandemia e as medidas impostas para conter a propagação do vírus estão a ter um impacto desastroso sobre muitas crianças e podem resultar num aumento do risco de abuso e violência, advertem os nossos convidados. 

Ao longo da conversa foram destacados diversos impactos da pandemia que põem em causa os Direitos Humanos das crianças, nomeadamente as desigualdades no acesso à educação à distância por razões relacionadas com os recursos e materiais disponíveis, e com o acompanhamento existente em casa; aumento dos casos de insegurança alimentar com a perda de rendimentos das famílias; dificuldades de acesso a serviços básicos e bens essenciais; crianças em maior risco de abuso nas suas casas, bem como de exposição a vários tipos de violência e dificuldades no acompanhamento de crianças e jovens em situação vulnerável ou em risco​ por insuficiência do modelo de acompanhamento à distância e lacunas na sinalização de potenciais novos casos.

Os direitos e a perspetiva da criança têm estado ausentes nas medidas de prevenção adotadas. Todos os recursos estão a ser canalizados para manter o sistema de saúde e a economia em funcionamento, descurando dos direitos das crianças. Corre-se o risco de uma geração de crianças ficar para trás sem a adoção de políticas integradas e coordenadas para responder à vulnerabilidade das crianças durante e pós- pandemia. E urgente adotar medidas para mitigar os efeitos desproporcionais às crianças particularmente as mais vulneráveis.

Perante este cenário, como garantir a proteção dos direitos das crianças? Os nossos convidados apelam a uma maior coordenação entre diferentes atores para que as necessidades das crianças sejam identificadas e abordadas através de um conjunto de medidas integradas e que envolva as próprias crianças no processo. Salientam ainda que dispensar uma atenção especial aos direitos das crianças é “mais necessário do que nunca". 

Pode assistir ao debate complete no nosso Facebook aqui

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quarta-feira, 3 de junho de 2020

PANDEMIA PREJUDICOU PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS, DIZ AMIC

Os direitos das crianças guineenses continuam a ser sistematicamente violados. Apesar dos direitos das crianças estarem consagrados na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em várias convenções internacionais, as crianças estão longe de ter a proteção devida. Os abusos persistem como ilustram as denúncias de crianças guineenses violadas sexualmente pelos próprios pais ou familiares, casos de casamento precoce e forçado e o fenómeno das crianças talibés.

No dia 01 de Junho, o dia internacional das crianças, a AMIC assinalou o dia com uma sessão na sua sede no bairro de enterramento. O trabalho desta ONG concentra-se em dois eixos: identificar crianças em situações de vulnerabilidade no contexto de mobilidade nacional e transnacional, maioritariamente crianças talibés; desencadear as pesquisas necessárias para localizar as suas famílias e a partir dos centros de acolhimentos (Bissau e Gabú) proceder à reintegração destas crianças às suas famílias de origem e quando tal não é possível, à família alargada. Laudolino Medina, Secretário Executivo da AMIC, explica que a justiça penal da Guiné-Bissau tem dificultado a proteção dos direitos das crianças. O fenómeno das crianças talibés continua a ser uma das maiores preocupações da AMIC.

As medidas anunciadas pelas autoridades nacionais para evitar a contaminação e a propagação do Coronavirus exacerbaram a vulnerabilidade das crianças talibés que continuam nas ruas de todo o país, esquecidas e abandonadas. Vivem ao céu aberto, andam descalços, sem máscara, nem qualquer tipo de proteção. Várias crianças guineenses foram resgatadas recentemente no Senegal e a AMIC está a ajudar no processo de retorno e reintegração destas crianças.

Com o surto do Coronavírus agravada pela instabilidade política, vários projetos da AMIC que poderiam beneficiar crianças guineenses foram cancelados. “Fomos surpreendidos pela pandemia da Covid-19 que teve consequências ao nível do nosso projeto e limitou a nossa capacidade de resposta. Neste período o sistema identificou 65 crianças, quando se esperava aproximadamente 20 crianças, sobretudo no contexto transnacional”, explica Laudolino Medina.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: NA LINHA DE FRENTE

Pela manhã, ainda cedo, saía de casa para o hospital. Uma vez no Simão Mendes, ia para a enfermaria (onde está a minha sala) e logo em seguida passava a auscultar os meus pacientes para fazer uma evolução do quadro clínico: ver como está indo o tratamento, se estão melhorando ou não, verificar a necessidade de alterar algum medicamento, observar a possibilidade de alguém receber alta, solicitar determinado exame que considere importante para poder diagnosticar casos suspeitos... portanto, uma vida normal de médico. É o que costumamos fazer. Por vezes, também há o serviço nas urgências.
Saindo do hospital, ia dar aulas e depois voltava para casa – é lá que aproveito para rever conteúdos, estudar, ler porque essa profissão exige constante atualização. Não se pode pensar que se sabe tudo. Quem pensa assim está mais suscetível a cometer erros. A medicina é uma ciência muito bonita, mas que exige responsabilidade. Esta era a minha rotina de segunda à sexta-feira, antes da chegada da covid-19. 

É a primeira pandemia que presencio como médico. O que quero dizer com isto é que não tinha experiência em questões de controlo epidemiológico – tudo o que sabia está nos livros e nas aulas práticas do curso. O novo coronavírus mudou toda a nossa rotina como profissionais de saúde. Tivemos de redobrar, quiçá triplicar os nossos esforços para poder fazer face à esta situação.
Como o Hospital Nacional Simão Mendes é o centro de referência do país, albergando o maior número de utentes, estabeleceram nas suas instalações uma tenda de combate à Covid-19 onde é feita a triagem de todos os casos de dificuldades respiratórias que passam por lá. Desde a chegada da doença, não conseguimos ficar em casa mais do que cinco horas. Eu, por exemplo, fui uma das primeiras pessoas a entrar nesta tenda mesmo sem ter recebido nenhum tipo de preparação e proteção adequada. Fi-lo por amor a minha profissão, pelo juramento que fiz de salvar vidas, mesmo que para isso arrisque a minha.

Graças à Deus temos conseguido fazer o nosso trabalho: recolha de amostras, triagem e isolamento dos casos suspeitos. Mas pode imaginar o que é ficar naquela tenda com aquela roupa? Só quem veste aquele fato pode explicar o quão quente é! E nós, enquanto estamos ali a trabalhar, não o podemos tirar, para não espalhar o vírus. Uma vez no centro de triagem temos de ficar lá (com o fato e sem poder fazer refeições) até completar a nossa carga horária. Esta tem sido a nossa vida todos os dias, desde o começo dessa situação.
Colegas próximos a mim testaram positivo para a Covid... foi um período de angústia, ficava sempre a pensar “será que eu também estou infetado?” Felizmente testei negativo. Em situações como estas acabámos por aprender alguma coisa: cheguei à conclusão de que o país, concretamente o sistema nacional de saúde, não está preparado para enfrentar esta situação. É triste admiti-lo, mas como médico, sinto que a Saúde na Guiné-Bissau está numa fase embrionária.
Um dos sistemas mais desorganizados em nosso país é o da Saúde. Não sei se é por falta de liderança, por ignorância ou por má-fé, a razão pela qual não consigamos dar aquele mínimo de condições para podermos enfrentar realidades como esta que estamos a viver. Daí ser difícil prever o pico da pandemia e até quando vamos viver assim. Entretanto, “uma coisa boa que a doença trouxe” é a consciencialização das pessoas para o facto de que devem ter/manter hábitos de higiene.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

DIÁLOGO(S) – DEBATE: DIREITOS HUMANOS DURANTE A PANDEMIA


Esta semana o tema em debate foi “Direitos Humanos durante a pandemia”. Nesta sessão o Erikson Mendonça e a Fatumata Jau, conversaram com Dr. Cabi Sanhá, membro da Direção da LGDH (Liga Guineense de Direitos Humanos) e Fodé Mané (Professor da Faculdade de Direito de Bissau, Investigador do INEP e atual Presidente da Rede de Defensores de Direitos Humanos).
A proposta foi discutir como a Guiné-Bissau está a enfrentar o coronavírus no que respeita a dimensão dos Direitos Humanos?
Inicia-se a quarta declaração de estado de emergência. Qual é o balanço que se pode fazer dos três estados de emergência e qual é o impacto que as novas medidas de emergência terão perante os desafios a nível social, político e econômico? O que é da preservação das garantias mínimas com vistas a resguardar a dignidade da pessoa humana?
Como pensar as diferentes dimensões de Direitos Humanos num contexto como este?
Que lições de proteção dos direitos humanos pode-se tirar das três declarações do estado de emergência? O que pode ser feito para que o estado não exceda do que é necessário para a proteção da saúde pública? E que fragilidades o estado de emergência permitiu identificar na proteção dos direitos humanos? Pensando na pós-crise que repercussões a limitação de alguns direitos fundamentais que agora parecem necessárias podem ter no futuro? Estas foram algumas das questões que foram abordadas.
Segundo os nossos convidados uma situação emergencial como a que atravessamos requer respostas igualmente assertivas, mas as medidas de emergência têm que ser contextualizadas segundo as especificidades do país, numa perspetiva multidisciplinar e sempre com a ciência como pedra angular em todas as decisões. Todavia acrescentam, a única forma de garantir a responsabilização e os controlos mínimos passa necessariamente pela garantia do funcionamento do Estado de Direito, para que cada medida seja avaliada sob o escrutínio do princípio da estrita legalidade. 

Atravessamos um momento desafiador, mas a crise também cria uma brecha de oportunidades. É preciso mudar muita coisa. Ainda vamos a tempo e todos têm um papel importante a desempenhar nesse processo.

Assista ao debate completo no Facebook da Casa dos Direitos aqui.

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quinta-feira, 28 de maio de 2020

HOMENAGEM A MANUEL RODRIGUES

Faleceu em Bissau, aos 58 anos de idade Manuel Rodrigues (1962-2020), o único Guineense que conquistou em Estocolmo, na Suécia, o Prémio das Crianças do Mundo pelos seus 20 anos de luta em prol das crianças cegas e crianças com outras deficiências na Guiné-Bissau.

A candidatura do presidente e fundador da AGRICE (Associação Guineense para a Reintegração dos Cegos) ao “Prémio Nobel de crianças pelos Direitos da Criança” foi proposta pela AMIC (Associação dos Amigos da Criança), organização que assistiu e acompanhou todo o processo da mesma até o seu coroamento com a premiação na Suécia em 2017.

Aos 3 anos de idade, o Sr. Manuel teve problemas e ficou cego. Foi para Portugal e recebeu tratamentos, mas nada resultou. Voltou novamente para Guiné-Bissau. Passado algum tempo, foi para Guinée-Conakry, tentando novamente obter cura, mas não conseguiu. Finalmente voltou para Bissau e iniciou atividade comercial, comprando e vendendo mercadorias em Buba, Região de Quinara, enquanto fazia paralelamente corte e venda de cibes até que construiu sua própria casa no Bairro de Cuntum Madina em Bissau.

O ativista, decidiu transformar a sua casa em lar de acolhimento e assistência às crianças portadoras de deficiências na Guiné-Bissau. As crianças deficientes, as mais desfavorecidas e vulneráveis da Guiné-Bissau e do mundo. Manuel e sua organização, a AGRICE, acolhem crianças cegas e proporcionam-lhes uma vida digna. Elas recebem assistência médica, comida, um lar, possibilidade de ir à escola, segurança e amor.

Manuel fala sobre os direitos das crianças deficientes à políticos e organizações, mas especialmente para pessoas em aldeias rurais. De outra forma, os aldeões não obteriam tais informações. Graças ao trabalho de Manuel, crianças e adultos sabem que crianças cegas e outras deficiências têm os mesmos direitos que todas as outras. A luta de Manuel salvou essas crianças de maus-tratos, abandono ou mesmo da morte.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

MANIFESTO POR UMA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO, EM DEFESA DA DEMOCRACIA, DA PAZ E DOS DIREITOS HUMANOS

- DIA DE ÁFRICA -


Vivemos actualmente numa era de (des)informação, que coloca desafios acrescidos ao direito à informação, à democracia, ao exercício de cidadania e à construção da paz



As transformações sociais, ocorridas no campo de comunicação e das inovações tecnológicas, num contexto da sociedade em rede, geraram novos mecanismos de produção, distribuição e acesso à informação. Este processo contribuiu para tornar a informação mais próxima, mas também tem desencadeado numerosos desafios na tarefa de comunicar e de informar.

Aos desafios da informação veloz e dos recursos parcos, acresce a multiplicidade de plataformas e de redes sociais que permite a diferentes actores comunicar de forma directa, sem intermediação e muita das vezes sem habilitação. Se, por um lado, este novo paradigma pode permitir um maior pluralismo de vozes, por outro lado, acarreta inúmeros riscos, nomeadamente a ausência da veracidade das fontes, o acentuar de clivagens e o incitamento ao ódio. São práticas que corroem a democracia, a coesão social e a paz e criam terreno fértil ao surgimento de extremismos.

No actual momento social, político, económico e sanitário que a Guiné-Bissau atravessa, este cenário é particularmente preocupante, tendo em conta os níveis de desinformação, de denúncia caluniosa como arma de combate político, e do risco de incitamento ao ódio e à violência. A proliferação de notícias falsas e da linguagem de ódio têm contribuído para acentuar o sentimento de insegurança dos guineenses e o clima de tensão, de instabilidade e de conflito e contribuem também para perpetuar uma cultura de impunidade.

É neste contexto que a Casa dos Direitos e as organizações-membro manifestam a necessidade de apostar numa informação e comunicação credíveis e de qualidade, como garantes do direito à informação verídica, mas também da salvaguarda dos valores da paz, da democracia e dos direitos humanos.

Enquanto Organizações da Sociedade Civil, repudiamos a divulgação e disseminação de mensagens falsas e perturbadoras da paz social, e consideramos primordial que:

_ os autores de notícias falsas e de mensagens que incitem ao ódio ou à violência, quaisquer que seja os meios de comunicação que utilizam, sejam chamados à responsabilidade;

_ seja promovida a necessidade de contraditório, de forma a confrontar as diferentes partes sobre a veracidade de factos e de afirmações em princípio de igualdade e de direito a informação verídica;

_ o estado de emergência e de confinamento obrigatório não represente uma limitação no direito de informar;

_ os órgãos de comunicação social sejam reforçados, nomeadamente em matéria de recursos humanos e financeiros, para promover um ambiente favorável à tarefa de informar de forma credível e independente;

_ os jornalistas sejam dotados das ferramentas necessárias para verificarem a veracidade de determinadas informações;

_ se aposte em mecanismos autónomos e independentes de verificação de notícias;

_ seja desencadeado, a prazo, um debate nacional tendente à aprovação de uma le-gislação específica de prevenção e penalização de crimes digitais.

A Casa dos Direitos e as organizações-membro assumem o compromisso de trabalhar para a construção de uma instância de monitoria da comunicação no espaço público, que, simultaneamente, denuncie práticas de desinformação e de incitamento ao ódio e contribua para a promoção da literacia para os media, para a formação de cidadãos e cidadãs mais informados/as e exigentes de uma informação de qualidade.

sábado, 23 de maio de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: DEBATE – DIREITOS HUMANOS DURANTE A PANDEMIA


Na terça-feira o tema a debater será “Direitos Humanos durante a pandemia” às 16:00, no Facebook da Casa dos Direitos. Teremos como convidados Cabi Sanhá, membro da Direção da LGDH (Liga Guineense de Direitos Humanos) e Fodé Mané , Professor da Faculdade de Direito de Bissau e investigador do INEP, e será moderado por Erikson Mendonça e Fatumata Jau. A proposta do debate é discutir até que ponto é possível restringir Direitos Humanos em tempos de Covid-19?

O COVID-19 afetou todas as esferas das nossas vidas e trouxe consigo implicações sérias no que respeita os nossos direitos e liberdades. A pandemia faz emergir uma grave crise sanitária, econômica e social de abrangência mundial, escancarando as diversas dimensões da desigualdade preexistente. Se mesmo em tempos normais, assegurar direitos fundamentais é um grande desafio, como será numa situação de emergência que exige alguma supressão de liberdades? Como é que a Guiné-Bissau está a enfrentar o coronavírus no que respeita a dimensão dos Direitos Humanos?

Estamos na terceira declaração de estado de emergência, toda a sociedade está a ser atingida, mas os efeitos são desiguais, pois o impacto é muito maior nos grupos vulneráveis, os mais excluídos. Qual é o impacto das medidas de emergência perante os desafios a nível social, político e econômico no contexto de crise? O que é da preservação das garantias mínimas com vistas a resguardar a dignidade da pessoa humana?

Estas são algumas das questões que iremos abordar.

Participe! Venham pensar e debater connosco!

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Da Casa dos Direitos para a Guiné-Bissau e da Guiné-Bissau para o mundo, este é o osso contributo. Acompanhe os Diálogos nas nossas redes sociais (Facebook e Instagram) e neste blog. #DialogosComASociedade #CasaDireitosGB

sexta-feira, 22 de maio de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: MULHERES EM AÇÃO







































Estávamos a preparar-nos para legalizar a nossa rede, que vai se chamar Rede Nacional Mulheres em Ação, quando vimos a urgência em dar prioridade a ações que pudessem ajudar no combate ao novo coronavírus. Sou enfermeira e também estou a estudar na Faculdade de Medicina de Bissau, por isso, coube a mim orientar as minhas colegas sobre o que é a Covid-19 e como prevenir a doença para que em seguida pudéssemos realizar as campanhas de sensibilização.
Começámos por Mindará. Por ter nascido lá, conheço bem a realidade do bairro, uma localidade muito propícia à propagação de doenças, principalmente infectocontagiosas como é o caso da Covid-19. A população merecia um alerta, uma educação para a saúde, para que tivessem a noção do que estava por vir, caso o nosso país tivesse algum caso.
Neste momento estamos com mais de mil casos identificados. Se calhar, se as pessoas tivessem adotado medidas preventivas e desde o início tivessem tomado em consideração a gravidade desta doença, penso que nós não chegaríamos ao ponto que chegamos. Foi por isso que mesmo sem nenhum meio financeiro nós começámos logo com o trabalho de sensibilização.
Sempre disse às minhas companheiras do ‘Mulheres em Ação’ que não precisávamos de dinheiro algum para fazer este trabalho, pois o que a população para se prevenirem.
Porta a porta, até que surgiu o apoio de um senhor para que pudéssemos obter alguns produtos de desinfeção das mãos. Distribuímos este material para os citadinos com os quais já havíamos falado, uma vez que já tinham sido sensibilizados sobre o uso adequado do material e como dar valor ao mesmo.
Mas não podíamos parar por aí! Surgiu a ideia de falar com uma prima minha que vive na Inglaterra (e que conhece muita gente) para nos ajudar a angariar fundos. Prevíamos que mais cedo ou mais tarde a doença chegaria nesta fase e a população iria sofrer muito com a falta de provisão alimentar.
Na semana passada ela conseguiu enviar o dinheiro e nós adquirimos alguns bens essenciais. Um deputado da nação também nos apoiou e doou frangos. Conseguimos distribuir estes géneros para a população do Ilhéu do Rei. É assim que deve ser! Se cada um fizer um bocadinho e se todos nós nos unirmos em prol de uma causa a Guiné-Bissau será uma terra melhor para todos.

Escolhemos esta localidade porque vimos que apesar de muito próxima de Bissau, é bastante sofrida, carenciada e praticamente esquecida. Como de costume, começamos por uma sensibilização e aproveitamos o ato para realizar um recenseamento e assim conhecer o número de agregado familiar no local. Depois compramos o alimento, produto de higiene e distribuímos.

Neste momento estamos a ajudar as pessoas que foram diagnosticadas com o novo coronavírus e que estão isoladas em diferentes hotéis da cidade de Bissau, pois elas estão a passar por dificuldades. Compramos alguns alimentos para que possam aguentar enquanto esperam as refeições principais. Compramos também muita água e chá, pois sabemos que esta doença exige que o utente ingira muitos líquidos.
Por outro lado, também demos início à produção de viseiras. Elas hão de ser distribuídas nos hospitais, principais mercados de Bissau e, se viermos a conseguir mais apoios, aos corpos de segurança, de modo a que os profissionais tenham mais proteção.
Atualmente somos dez (com uma a residir fora) no Movimento Mulheres em Ação: Adama Baldé, Aurora Almeida, Claúdia Cá, Dalila Djaura, Eliana Gomes, Finaika Silva, Noémia Issimo, Udenaika Silva e Waltemira Monteiro Ekerte. Todas temos como principal motivação ajudar ao próximo, sobretudo a camada feminina. A nossa vontade é fazer com que mulheres que não tiveram as mesmas oportunidades que nós tivemos, nomeadamente no que tange ao acesso à educação, possam alcançar a sua autonomia e decidir a sua própria vida. 
Esta é a base: o empoderamento da camada feminina na sociedade, incentivar e promover a alfabetização e a formação técnico-profissional, bem como apoiar as mulheres mediante as suas necessidades pontuais. Queremos ajudar outras a irem mais longe nas respetivas caminhadas, reconhecendo e valorizando as suas capacidades de forma a que consigam mudar alguma coisa nas suas vidas, na vida dos seus filhos e daqueles que estão ao pé delas, mas sobretudo elas.  
Antes de vir para a Guiné – vivia fora, estive muitos anos em Portugal – sempre pensei que um dia deveria voltar e contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Sou da opinião que não podemos estar continuamente a culpar os outros por nossas mazelas uma vez que todos nós temos a obrigação de contribuir com alguma coisa, caso contrário o nosso país vai mesmo se afundar. 
Voltei com este objetivo de juntar as pessoas e incentivá-las a incentivar outras pessoas, um efeito multiplicador!  
Carina Salgado Gomes – Presidente do Movimento Mulheres em Ação



quinta-feira, 21 de maio de 2020

DEBATE ONLINE: O DIREITO À SAÚDE EM TEMPOS DE PANDEMIA















O Direito à Saúde em Tempos de Pandemia foi a questão abordada no primeiro debate online de Diálogo(s) com a Sociedade. Falamos com Victor Madrigal, representante da AIDA (Ayuda, Intercambio y Desarollo) na Guiné-Bissau e Inácio Costa, responsável da gestão clínica do COES (Centro de Operações de Emergência Sanitária).

A COVID-19 atinge proporções alarmantes na Guiné-Bissau e expõe uma situação complicada no já complexo e frágil sistema de saúde público. Estamos na terceira declaração do estado de emergência, que termina no dia 26 de Maio. A quantas andamos na luta contra o Covid-19? Até finais de Abril a Guiné-Bissau tinha identificado aproximadamente 100 casos de coronavírus. Apesar das medidas de emergência implementadas, a curva continua a subir. Os casos já passam de mil e entramos numa nova fase da epidemia com a constatação de transmissão comunitária na capital. Qual o nível do alcance das medidas de prevenção adotadas, quais são os possíveis estrangulamentos? Será que estamos a testar o suficiente, não estará na altura de mudar de estratégia tendo em conta o aumento exponencial de casos positivos? E o que está a acontecer às outras doenças, que apesar de serem menos mediática também matam?



O que são dos Direitos Humanos nesta batalha? Como garantir o direito à saúde em tempos como estes, se mesmo antes do coronavírus o país já sofria de dificuldades crónicas em garantir a efectividade do direito à saúde pública de qualidade à população, tal como o tratamento médico, remédios, consultas e ações preventivas de saúde. Como podemos agora fazer face a um surto pandêmico desta magnitude?

Este tempo com os nossos convidados deu para perceber algumas das coisas que têm que mudar. Segundo eles, é necessário trabalhar de forma emergencial e montar políticas públicas contra o vírus, ou seja reunir, integrar e cooperar com as forças possíveis para que num futuro próximo consigamos ultrapassar o desafio. A solução a curto prazo para evitar a disseminação passa necessariamente pelo isolamento social, mas esta abordagem deve ser acompanhada por medidas sociais e econômicas de apoio à população.

Pode assistir ao debate completo no Facebook da Casa dos Direitos clicando aqui: https://www.facebook.com/CasadosDireitosGB/videos/268459414283783/

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