quarta-feira, 13 de maio de 2020

DIÁLOGO(S) COM A SOCIEDADE: HOMEM NOVO

homem novo
Durante muitos anos levei uma vida de imigrante: fui para Portugal com 13/14 anos. Quando terminei o liceu, andei por vários países até chegar a Noruega, onde cursei Gestão e Instalação de Redes de Informática, Técnicas de Exploração de Petróleo, fiz também um curso de Segurança. Logo que a estabilidade económica se tornou uma realidade, decidi voltar para a Guiné-Bissau e empreender.

Foi um processo. Teve início em 2006. Meu primeiro investimento foi numa fábrica de gelo. Depois, uma fábrica de água. Em seguida, uma de blocos para construção civil. Comecei a ganhar dinheiro e ser próspero... naquela altura meu sonho mesmo era ser rico. No entanto, passei a observar que o meu nível de vida em nada tinha a ver com a realidade do país.

Sempre que vinha da Noruega, chamava os jovens para irmos limpar as ruas, os bairros... e sem que eu me apercebesse, a minha vontade de promover a mudança através de ações que garantam a limpeza, o saneamento básico, foi ganhando forma. O dinheiro que fui ganhando deixou de ser usado só para o meu benefício.

O ‘Homem Novo’ é uma iniciativa que começou muito antes de denominá-la assim. É um trabalho de amor à minha terra que surge da tomada de consciência de que, enquanto guineense, tenho de dar a minha contribuição para o desenvolvimento do país. Quando imigrante, observava o modo como as pessoas vivem lá fora: nada cai do céu, há trabalho duro!, eles estão organizados, por isso têm aquele nível de vida.

Vi o estado da cozinha do Hospital Simão Mendes, estava uma lástima! Solicitei ao então diretor que me permitisse fazer algo. Pela cara dele quando terminámos, acredito que pensou que se tratava somente de uma limpeza. Pusemos abaixo as divisões improvisadas, colocamos a canalização de gás, recuperamos os fogões de gás (o teto estava preto porque cozinhavam à lenha), investimos num lava loiças novo, pusemos prateleiras para os utensílios, demos um jeito no refeitório... Descobri que quando se acredita realmente é possível. Desde lá não parei.

A ação seguinte foi na Escola Salvador Aliende que estava sem portões e as pessoas fizeram dela um vazadouro. A situação foi resolvida com a limpeza do local e a instalação de portões. Pus-me a pensar na criação de melhores estruturas para as pessoas colocarem o lixo: construímos 1000 recipientes, chamo-os de ‘lixo de mão’.

Infelizmente, desde o início, a Câmara Municipal de Bissau não se mostrou interessada na nossa dinâmica. Mas não pretendo parar por causa disso, afinal, o que está em jogo é a saúde pública. É isso o que me preocupa e a todos os que aceitam solidarizar comigo. Queremos que as pessoas tenham acesso ao saneamento básico.

Antes mesmo de se diagnosticar o primeiro caso de covid-19 na Guiné-Bissau, já estávamos nas tabancas das zonas fronteiriças a sensibilizar a população sobre os cuidados preventivos que se deve tomar contra esta doença, distribuir recipientes de água, sabão e lixívia. Orientamos também a população a colocar um recipiente a porta de casa e na entrada da aldeia.

Há pouco tempo improvisei um lavatório de mãos acionado pelos pés. Este exemplar foi colocado na feira criada no Espaço Vede devido à situação de pandemia. Estou também a trabalhar numa estrutura de banheiro público que terá um lavatório e uma descarga igualmente acionados por pedais. Tudo funciona sem a necessidade de energia elétrica, a tensão mecânica irá garantir que de facto as mãos estarão higienizadas.

Em relação aos tanques de lixo, agora temos uns grandes feitos a partir de contentores – cada contentor dá origem a 12 depósitos – e que são colocados nos bairros, sobretudo os periféricos. Temos um outro tipo exclusivo para plásticos, metais (latas de sumo, sardinha...) e garrafas, pois constatamos que são os que mais sujam o país. Serão a nossa matéria-prima no Centro de Tratamento de Lixo que está a ser construído e que dentro de aproximadamente 05 meses estará finalizado.

Neste Centro também trabalharemos com o lixo orgânico. Objetivo é reciclar o maior número de tipos de lixo que conseguirmos. Queremos produzir, por exemplo, biogás, adubo orgânico, através dos plásticos confecionar mosaicos e também reparar as estradas. São sonhos que eu tenho, mas que são reais. Com muito trabalho estou quase a alcançá-los. Acredito que não tarda e a Guiné-Bissau será o país mais limpo de África.

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